Forjados em linguagem despojada, de tom despretensioso, esses 40 relatos curtos vão gradualmente desenhando um rico panorama do bairro que é um espelho da cidade maravilhosa que já foi definida como purgatório da beleza e do caos. Purgatório com remota possibilidade de redenção, beleza humana e natural, caos urbano em que coexistem a ordem e a desordem.
Copacabana e Rio de Janeiro estão nas histórias da adolescente que descobre a sexualidade no terraço em obras, do playboy que vive em simbiose com a mãe, na trajetória da modelo que caiu em desgraça e vai viver na rua, na lagosta de um e no arroz com feijão e banana da outra. São fios com os quais Adriana costura sutilmente o tecido que une estes contos/crônicas de variada temporalidade. Ou atemporalidade, pois se a joaninha da polícia pertence a outro tempo, a violência policial continua atualíssima, assim como o profundo abismo que separa a alienação das famílias quatrocentonas decrépitas e a precária condição social dos invisibilizados que as servem.
A autora os vê, registra seus rostos, suas circunstâncias e seu perambular às vezes sem rumo, como o caminhar claudicante do pai cujos olhos se acendem ao falar de filosofia e, de repente, dão à vida uma fagulha preciosa de sentido. Esse pai que saiu a passear de madrugada, de cuecas, numa breve e aflitiva aventura, o mesmo que um dia foi Lamartine e nos deixou uma armadilha genial. A autora, porém, não cria armadilhas. Diz textualmente que “o que acontece em Copacabana não acontece em nenhum outro lugar do mundo” e vai fotografando a alma das personagens em sua rolleiflex, ajustando a lente para captar o micro e o macro desse cotidiano único e intransferível. Afinal, em que outro canto do mundo poderíamos encontrar o filho prodígio de uma família espanhola que foi abduzido por extraterrestres? Ou a moça que não suporta as manias dos namorados e se
depara com um sereio em pleno Posto 3? Os retratos de Adriana misturam a singela melancolia de Rubem Braga com a crua denúncia da hipocrisia das elites à maneira de Nelson Rodrigues.
Dividido em seis capítulos, Aconteceu em Copacabana se nutre das experiências pessoais da autora e da percepção transcendental da ressaca das ondas da adolescência, do amor, do sobrenatural e do crime. E o que se vislumbra com clareza nesse mosaico é um talento narrativo que atravessa a superfície das particularidades da rotina em busca do universal, da eternidade que há em cada momento vivido e imaginado. Alguém disse, certa vez, que para mostrar a floresta é preciso começar descrevendo uma única árvore. Máxima tão apócrifa e cheia de sabedoria quanto aquela célebre frase de efeito atribuída a Tolstói: “canta tua aldeia e cantarás o mundo”. É o que faz Adriana neste livro, canta o mundo na aldeia universal que se estende do concreto dos velhos edifícios à beira mar até as ondas desmemoriadas que se sucedem na eternidade oceânica vista por uma janela com vista para o Atlântico. Um mar infinito e exato de histórias que cabem nesse canto imenso do mundo chamado Copacabana.